Espaço a serviço da sonoridade na poesia pulsante em diversidade de imagens. Para ler com consciência, bom humor e o coração em chamas. Apreciem com Imoderação.

Monday, March 27, 2006

Ofício Swing Intelectual



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MALANDRO DE OCASIÃO

Refrão
Barba de bode quando bate se sacode
barba de bode quando bate se sacode
barba de bode quando bate se sacode
não sobra um fio do bigode

Verso
cheio de manha o malandro falou
andei devagar minha vida parou
está tirando é onda dessa situação
o banzé enguiçou na contramão

venha morena
cuidar do meu negócio
minha empresa não tem sócio
e eu preciso de uma mão

venha morena
entrar nessa jogada
é coisa séria e planejada
dum malandro de ocasião

Refrão
Barba de bode quando bate se sacode
barba de bode quando bate se sacode
barba de bode quando bate se sacode
não sobra um fio do bigode

JOGO DE CINTURA

Refrão
Cintura meu povo! segura no jogo
tendo pêlo em ovo "o gato" vai se coçar
Cintura meu povo! segura de novo
"jacaré" abre a boca é pra nos devorar

Verso
Tem "nego" vivendo com o dinheiro dos outros
tal qual gigolô do nosso país
querendo levar uma fatia do bolo
forrando a carteira o malandro me diz

Tem "nego" que promete e não vai cumprir
o povo percebe não é bobo não
chega de conversa pra boi dormir
o papo da gente é consciência e razão

Refrão
Cintura meu povo! segura no jogo
tendo pêlo em ovo o "gato" vai se coçar
Cintura meu povo! segura de novo
"jacaré" abre a boca é pra nos devorar

Verso
Tem "nego" demais escondido no armário
do tipo que manda na situação
recebe a bolada da mão dos otários
negociando a sorte da nossa nação

Tem "nego" de fora mandando aqui dentro
fazendo visita a qualquer hora
o povo percebe não é bobo não
e manda esses "nego" de volta pra fora

Refrão
Cintura meu povo! segura no jogo
tendo pêlo em ovo o "gato" vai se coçar
Cintura meu povo! segura de novo
"jacaré" abre a boca é pra nos devorar

"PIMBA" NA GORDUCHINHA

Refrão
"Pimba" na gorduchinha!
"pimba" na gorduchinha!
levando a vida nesse bate bola
amarelo rola e é verde na linha
"pimba" na gorduchinha!
"pimba" na gorduchinha!
nossa galera com todo respeito
é bola no peito e cai redondinha

Verso
a vida é essa arte de driblar a ilusão
de seguir a intuição que um dia eu tive
melhor esquecer o castelo de sonhos
quem vive de sonho, com sono é que vive

a esperança é o samba da imaginação
põe a bola em campo pra gente jogar
num gingado com garra e sabedoria
nesse tal dia a dia de quem sabe lutar

bola pra frente
com alma bamba e sangue quente
nenhum malandro vai nos enrolar
bola pra frente
muda de banda e joga com a gente
vem fazer parte desse time popular

Refrão
"Pimba" na gorduchinha!
"pimba" na gorduchinha!
levando a vida nesse bate bola
amarelo rola e é verde na linha
"pimba" na gorduchinha!
"pimba" na gorduchinha!
nossa galera com todo respeito
é bola no peito e cai redondinha

TADINHA

Refrão
Tadinha de mim, tadinha
tô querendo carinho, querendo beijinho
meu bem não tá afim
tadinha de mim, tadinha
gostosa, manhosa, morena formosa
meu bem não tá afim

Verso
Meu bem tá cansado
já virou de lado
hoje não tem chamego
que vontade meu nego!

tão gostoso é o carinho
de dormir juntinho
se querendo bem
que saudade neném!

despertar assanhado
um sorriso safado
é a pura danação
que maldade patrão!

Refrão
Tadinha de mim, tadinha
tô querendo carinho, querendo beijinho
meu bem não tá afim
tadinha de mim, tadinha
gostosa, manhosa, morena formosa
meu bem não tá afim

Verso
No momento de amor
tem que ter o calor
do nosso chamego
que vaidade meu nego!

esquece do futebol
aqui no baby-doll
de olho no ataque
que é tarde meu craque!

deixa a loura gelada
a morena indomada
é desejo e paixão
que beldade campeão!

SABER DE NÓS

Como pensar em não lhe ter
se eu desabar no bem querer
cubro você de poesia

deixo o meu corpo se perder
vem me abusar por merecer
dispersar da calmaria

sei
nem tudo será como antes
respirávamos o mesmo ar
sei
essa fome de sentimentos
minha boca a lhe devorar

Refrão
Deixa pra lá
libera endorfina na horizontal
da boca menina abusa sem dó
na doce bobeira feito carnaval
é pitada de sal sabendo de nós

Verso
viver do encontro marcado
em seus caracóis delicados
quando eu chegar

e ver o lume verde-perolado
quero um sorriso abençoado
beijo à luz do luar

sei
nem tudo será como antes
desejo em plena luz do dia
sei
essa fome de sentimentos
pedindo uma cama macia

Refrão
Deixa pra lá
libera endorfina na horizontal
da boca menina abusa sem dó
na doce bobeira feito carnaval
é pitada de sal sabendo de nós

SWING NA MARESIA

Verso
Retrógrado acomodado
seu costumeiro conchavo
faz nossos castelos ruírem
sem líder, cem crimes, sem filme
o futuro esquece de saber

pedra calada
como sentido de nada
futilidade fóssil de eterna temporada
sem swing, sem timbre, sem calibre
pra assentir o sol nascer

indigesta moral
contando versões carcomidas no divã
para nossos honestos
só serviu a carapuça da Ku-klux-klan

esquálida consciência
glutona em tempo de vacas magras
deixando os filhos serem metralhados
sem início, sem vícios, sem indícios
da vida nos pertencer

fábulas de incompetência
esperam do povo sua audiência
consciência por um pingo de decência
sem grilos, cem quilos, sem mamilos
pra sugar nosso poder

robustos leões
tiranizam o ar que ventila o pensamento
para nossos honestos
a democracia é imprevista no orçamento

Refrão
maré baixa ou maré alta
se é maré o que nos assalta
sambando contra a maré de azar
sem faltar o swing na maresia

balanço, samba, swing na maresia
balanço, samba, swing na maresia

PRIVILÉGIO NA CRUZ

Verso
É tão leviano
preso a um tamborilar
no despertar de tiranos
em farrapos humanos
um contra-senso vadio

bem feito no sonho
ledo engano
um pesadelo risonho
oferece belas aberrações
por um preço sadio

não há fastio
na encosta do rio
dele se espera o milagre
nele se encerra o vinagre
de vinho, o peixe e o pão

copiando
o que divinamente foi criado
na mensagem vende semelhança
na imagem quanta discrepância
faz bem ao ego da evolução

crianças programadas
que obedecem a seus pais
mil bestas teleguiadas
nem desconfiam os demais

Refrão
De quem será
o privilégio na cruz
quando a fé terminar
se essa luz se apagar
e desde já
cutuquem Jesus
que ele sabe o que faz
com quem sabe demais
sem saber de nada

PIEDADE (Para Soteropolis)

Verso
Faz do chão
que o concreto desata
um beijo do camaleão
traz o brinde das águas
na primeira que passa
é nordeste verão

faz do sim
um clarim da liberdade
se o sol nasce de graça
almas verdes de árvores
no silêncio do mármore
é nordeste verão

faz do amor
o estopim da felicidade
namorados se entendem
corações compreendem
a promessa de um beijo
é nordeste verão

Refrão
Piedade
tem de quem passa
à direita da praça
caminha na solidão

piedade
que a vida é ingrata
folga o nó da gravata
alegra meu coração

Verso
faz do sonho
um cinema da realidade
canta o nobre ambulante
em seu carrinho dançante
melodia e pipoca na praça
é nordeste verão

faz do povo
o refúgio da humanidade
onde amigos conversam
e conhecidos dispersam
alegria sorrindo na gente
é nordeste verão

TROPICANIBALISMO

Há tempos
medindo meu fim
o destino é uma festa funesta
e comemora com tiro na testa

pode ser
nova bossa desjejua antropofágica
discriminação no país do candomblé
ouvido burro é cultura em extinção

Há horas
sofrendo de mim
nem o esqueleto pede samba
é molambo que se amocamba

pode crer
espécie humana de clima tropical
imaginação num intelecto reciclável
traz no trio-elétrico sua renovação

Refrão
mas se o carnívoro vegetar
não há o que perder
não há o que ganhar
devoro o ostracismo
meia-boca no jantar

se o carnaval encarnar
não há o que perder
não há o que ganhar
encaro o descarado e
aproveito pra sambar

Verso
Há vozes
zombando de nós
é o milagre provocando azia
ou consumismo versus poesia

pode ver
no sorriso mulato bem misturado
dar fino trato ao cancioneiro do dia
é palco popular de toda inspiração

OLHO DE VIDRO

Romeu pede honra
que a gente não vende
não joga na lama
e na grama mais verde
arruma-se a cama

Romeu pede zelo
ao que cuida do filho
do pai zela tão bem
vem caminho tranqüilo
no balanço do trem

Romeu pede esmola
que emprego não tem
não se vive de brisa
avisa o homem de bem
esse sabe onde pisa

Romeu pede medo
que a polícia não vem
não coíbe a maldade
usurpa a tarde tão zen
la dona impunidade

Romeu pede alma
ao que senta no escuro
no oblíquo da vista
só conquista no mundo
o coração do artista

Romeu pede luz
que a cadeira é elétrica
é a verdade sem osso
e o avô caroço sapeca
tal carne de pescoço

Refrão
Se o globe trotter se quebra
aos cacos um olhar entrega
nas retinas o vítreo relance
nem Romeu, nem romance
serenata que a vida é brega
e merece uma nova chance

MATINÊ DO DEBOCHE

Nós somos papa-defuntos
biscateando um escalda-pés
defumamos feito presunto
e sepultamos quem vier

Nós temos o engasga-gato
nas sobras de um rega-bofe
servido "ao bicho no prato"
e envelhecido no Orloff

Nós somos os borra-botas
dos maiorais salta-pocinhas
da cabriola a uma chacota
mesmo saco pra farinha

Nós temos quebra-costela
cego ao cuidado pata-choca
virar as costas se esfacela
na mão hipócrita pipoca

Nós somos a pomba-gira
dando tiros a queima-roupa
os alvejados fora da mira
e carniceiros pura polpa

Nós temos o louva-a-Deus
sambando com pés-de-pato
descalços mil no solo ateu
a fé lhes compra sapatos

Refrão
Populacho alcoviteiro
a voz do santo maloqueiro
ele se compra por baixo
no zunido zombeteiro
das moscas no açucareiro
caos e ótica do escárnio

do escracho ao deboche
do escracho ao deboche

QUOTIDIANO VAGABUNDO

Verso
Fiz meu fardo de bodega
um trago às verdades insinceras
quão insensatas são megeras
na veneta de um maluco comedido

fiz meu pranto de seresta
um samba é tudo o que me resta
se nosso amor vive ás cegas
na memória de um boêmio iludido

fiz meu rumo de pinguela
um passo florindo em primavera
brilho da dança de quimeras
na vanguarda do poeta amanhecido

Refrão
Sou quotidiano vagabundo
gingado miúdo e sentinela
tamborilando meu destino
fui afinado em dó "teatino"
malandro tem toda cautela
do verbo é a rosa na lapela
arrepio o cangote feminino
vou quotidiano vagabundo

Verso
fiz meu palco de comédia
um aplauso às delícias inseguras
fagulhas de alegria sem cura
na alma de um malandro destemido

fiz meu leito de promessa
um coração da batucada honesta
se pra melhor eu passo dessa
na bravata de um figurão comovido

Refrão
Sou quotidiano vagabundo
gingado miúdo e sentinela
tamborilando meu destino
fui afinado em dó "teatino"
malandro tem toda cautela
do verbo é a rosa na lapela
arrepio o cangote feminino
vou quotidiano vagabundo

ALMA DE MORFINA

Malmequer demove
se a seus olhos estou aquém
querer bem demanda
é saber amar para se ir além

Bem-me-quer comove
sonhos feitos de grão em grão
querer vão comanda
é dor que arrebata um coração

Malmequer explode
se afago é da mão que espalma
querer bem exclama
é ventura o que se traz na alma

Bem-me-quer acode
vozes ávidas pelo mesmo tom
querer vão aclama
é o despeito se achando o bom

Malmequer recobre
se o prazer consumar vertigem
querer bem recama
é desejo amiúde de boa origem

Bem-me-quer descobre
corações perfeitos no vendaval
querer vão descama
é da solidão em pleno carnaval

Refrão
Não sigo nada sério
nem mensagem na garrafa
e o ópio da vida esfumaça
a vontade do moço

não vejo nada certo
nem coragem no comparsa
é o medo exibindo a chaga
na varanda do povo

no ópio do corpo refina
morfina da alma vitrina

TIRO CERTO

Verso
Sei que você não sorri
mesmo depois da chuva
dispersa mágoa por aí
sofrendo que nem viúva

sei que o amor foi cruel
e que só fez machucar
não basta tirar o chapéu
se há tristeza no olhar

sei que ficou no cavaco
que desceu das tamancas
cavou o próprio buraco
levando fé no que banca

Refrão
No deserto do Saara
o cachorro lambe a cara
fica esperto pelo caminho
é malandro tiro certo
faro fino e olho aberto
chega junto só no focinho

Verso
Sei que você vai dizer
quer o amor de verdade
porque querer é poder
nos braços da felicidade

sei que o tempo passou
e o samba virou canção
a calma jamais segurou
no pandeiro do coração

sei que a vida é maneira
para quem sabe viver
quer descansar a caveira
agora me diga porque

CONSTELAÇÃO VAGA-LUME

Astro-rei deixa o alto
toma a terra de assalto
vem passar o verão

dorme bicho-preguiça
minha estrela noviça
agora é bicho-papão

já o meu dente de alho
tira um ás do baralho
é Nosferatu e ladrão

e a galáxia tem ciúme
constelação vaga-lume
pousa na minha mão

sarambeque mecânico
parou o trem oceânico
entre quatro estações

terra-mãe é alto astral
braço forte e imortal
devorando os leões

já o meu pé-de-coelho
serve como conselho
boa sorte as nações

o universo tem ciúme
constelação vaga-lume
são nossos corações

Hemisfério Senhor
água pura deixa a sede beber
hemisfério Senhor
fogo certo sem medo de errar
hemisfério Senhor
vento nobre desperta sem ver
hemisfério Senhor
terra nova onde a vida passar


SUAVE DELÍRIO

Verso
Cada dia é um improviso
largo sorriso ao bem querer
pela grandeza do universo
inocência como o sucesso
venha com flores a oferecer
a fim de perder seu juízo

Refrão
Só nós dois vamos pro céu
com a graça do Bom Senhor
hoje o Criador dá um rolê
amanhã sei que Deus é fiel
traz o coração num beija flor
rouba meu segundo de fé
inconteste, divino ou cruel
coube então morrer de amor
em vez do açúcar no café

Verso
Mas o dia é um improviso
suave delírio ao amor perfeito
todas as formas podem ser
ilusões ao nosso bel prazer
sincero o desejo pede respeito
a fim de acordar o paraíso

Refrão
Só nós dois vamos pro céu
com a graça do Bom Senhor
hoje o Criador dá um rolê
amanhã sei que Deus é fiel
traz o coração num beija flor
rouba meu segundo de fé
inconteste, divino ou cruel
coube então morrer de amor
em vez do açúcar no café

Um banquinho e um violão
também pedem seu sorriso
se quem canta é o coração
ao suave delírio do juízo

BENDITO JOÃO-NINGUÉM

João trabalho é bendito
rompe a folga
convoca o dia e lá se vai
grão de areia é inaudito
nessa romaria
urbana há poeira demais

João horário é rotina
é coletividade
suor informal na avenida
fé no asfalto termina
traga o capital
e salve a terra prometida

Refrão
e agora João
com seu pé de feijão
pode ter, pode dar se o tempo deixar
sem demora João
e toma jeito de São
pode ser, pode estar é saber esperar

João-ninguém tem razão
João-ninguém tem razão

Verso
João salário é alforria
quando chega
pequeno para vos libertar
onde há barriga vazia
deleite sereno
poder a família alimentar

João calvário é destino
santa realidade
do João-ninguém racional
e desaparece o menino
restou o amém
não há previdência social

DIÁRIO DA MADRUGADA

Verso
Ouço a voz da consciência
espertos brincam atrás do muro
óculos vão cobrir olhos escuros
no dia seguinte ninguém sabe

farejo o lapso de memória
prendo o grito de independência
sinto acabar com a concorrência
antes que ela mesma se acabe

Refrão
carrego comigo a bandeira do bom senso
não me abalam estes tempos hiper-tensos
ao final das contas a poeira vai baixar
levo nove vidas jogadas aos quatro ventos
chega à vez e o ano pra me declarar isento
e comer a sobremesa na sala de jantar

Verso
desenho o mapa da mina
e um oceano noturno a navegar
tranqüilizantes para me ancorar
no mergulho da madrugada

qualquer hora é o dia D do diabético
aguardar na zona de ataque epilético

qual é o preço do remédio genérico?
qual é a crença no lucro estratosférico?
qual é o hospício para o pit bull histérico?
qual é a fórmula secreta da Coca-cola?
qual é o segredo de ficarmos sem escola?
qual é a chance de aumentar nossa esmola?

qualquer hora é o dia D do diabético
aguardar na zona de ataque epilético

CARAVELA NUMA BOLHA DE AR

Verso
Quem poderá saber
se o perdão nos faz falta
que o forró vem à tona
como um efeito sanfona
até o passado de volta

quem dera proteger
em tua mão, tua escolta
tua própria redoma
é a caravela do sintoma
suba à bolha mais alta

quem agüenta viver
e ganha pra não roubar
sabe o pulo do gato
de quem calça o sapato
e astuto sobe a rampa

quem cola pra valer
é na medida da tampa
e sai batendo panela
não vai deixar seqüela
nasceu pra incomodar

Refrão
A caravela flutua numa bolha de ar
na energia das ondas, na calmaria do mar
no perigo das sombras, no aviso do olhar
tripulantes a bordo: se a bolha furar, o céu vai naufragar

verso
quem saberá nascer
com um fio de cabelo
já penteia a moleira
pra não fazer besteira
quando abrir os olhos

quem ensina a fazer
põe a barba de molho
eis mais um lunático
sem material didático
propiciando atropelos

O SAMBA E O BEIJA-FLOR

Vai brotar dentro do peito
o coração do amor-perfeito
se o cravo ficar com a rosa

vai trazer tudo o que deve
ao faça chuva ou faça neve
entre o laço de fita mimosa

vai rever carta e telegrama
com carinho de quem ama
e se enrolar no cachecol

vai sentar na arquibancada
a vida feita de mãos dadas
pra esperar o pôr-do-sol

vai sobrar o que faz falta
no brilho da estrela peralta
abrigar seu filho ao nascer

vai tocar seu cavaquinho
pra ninguém viver sozinho
há o que fazer e acontecer

vai mariscar a confiança
no salva-vidas da esperança
âncora da sorte e do amor

vai repicar seu tamborim
e ensaiar o samba no jardim
pra conquistar o beija-flor

Refrão
Teremos a liberdade de ir e vir
contra a corrente, precisamente
ao sabor do vento precisa tento
e todas cabeças vão rolar de rir
a favor do vento, contra a maré
liderar a fé em busca do talento

CINDERELA FEITO LUVA

Só você
alimenta estrelas pagãs
comedida luz da aurora
minha seleta de prazer

só você
abriu a porta da manhã
consentindo-se senhora
anfitriã do bem querer

só você
colírio em doces retinas
a primavera sem espinhos
o coração a florescer

só você
qual iguaria mais divina
faz do almoço um carinho
e alimenta meu viver

só você
sincero anjo sem alarde
inspira o moço na vitrina
a conquistar e proteger

só você
obra e desejo pela tarde
algodão-doce olá menina
no hálito do entardecer

só você
flor preciosa de ternura
na apologia dos amantes
Cinderela venha ser

só você
cai a noite bem madura
em nossa alma itinerante
repousa o anoitecer

Refrão
Coubeste em mim feito luva
como se tudo fosse lua
como se tudo fosse sol
cobrir a rua em nosso lençol

ACABOU O GÁS (Para Soteropolis)

Lá vou eu na esquina
vestindo cara de doido
ressurgi aos pedaços
e corri para o abraço
pleiteando meu botijão

lá vou eu na avenida
a maré Joana Angélica
se tanto o dia esfarela
os machos e donzelas
saem em primeira mão

lá vou eu na água-viva
o maremoto abriu o sinal
é ver se ganho meu dia
na entrada da Mouraria
sem gás e sem refeição

lá vou eu sob medida
bom apetite e fome-zero
à esquerda do escargot
a feijoada se organizou
pra cobrar seu quinhão

lá vou eu numa figa
brasileiro on the rocks
é resistente ao barulho
parei no Dois de Julho
agora dono da situação

Refrão
acabou o gás, acabou o pão
acabou a paz e veio a solidão
acabou o gás, acabou o pão
acabou o rapaz, veio cidadão

se repartíssemos o pão e amássemos mais
estaríamos com todo gás
se repartíssemos o pão e amássemos mais
estaríamos com todo gás


ROSÁRIO DE PEDRAS

Não me afirme
não me peça a opinião
acima do muro
há dois lados no chão

não me previna
não me sirvo ao acaso
antes do futuro
há onipresente atraso

não me segure
não me estenda a mão
alívio inseguro
de incerta compaixão

Refrão
Pedra sobre pedra
e o caminho no ar
o céu cai por terra
a caminho do mar
professar ao fogo
rosário de pedras

não me acalme
não me aplique injeção
a dor e o medo
esperam por diversão

não me decifre
não irá me decodificar
afeto e segredo
só Deus sabe guardar

não me perdoe
não me basta contrição
ao gosto azedo
sobremesa é salvação

Refrão
Pedra sobre pedra
e o caminho no ar
o céu cai por terra
a caminho do mar
professar ao fogo
rosário de pedras

A BOLSA OU A VIDA

O peso dos anos com dores
nas pernas pretende passar
soníferos seres humanos na
bat-caverna resolvem ficar

os meses disparam lorotas
milenares da última semana
e calotas polares disputam
lugares de calotas cranianas

na fraqueza da alma
na pobreza de espírito
fé que ofende a paz
ou que gera o conflito

no busto afiançado
no custo-benefício
proteção aqui jaz
avante o sacrifício

os comes e bebes de sempre

milhões de dólares
dispostos a morrer por Cristo
milhões de dólares
dispostos a morrer por Cristo

a bolsa ou a vida
a vida após a morte
o corte e a ferida
a cicatriz sela o corte

é a bolsa ou a vida
a vida na corda bamba
o samba ou a saída
iça a corda e a caçamba

os comes e bebes de sempre

quem sabe redimir
quem sabe perdoar
quem deve reagir
e atirar pra matar

PINTANDO O SETE (Para Chico Buarque)

Não pedi pra nascer
mas cuida-me acreditar
que a roda-viva da vida
sabe como me levar

não fiz por merecer
mas posso compensar
cantando coisas ainda
faço a banda passar

não jogo pra perder
mas prometo arriscar
amor é causa perdida
se deixar de ganhar

Refrão
Deixe o povo saber
que vim para ficar
que vim só a você
deixe o povo falar
deixe o vento varrer
sete anos de azar
sete dias só você
deixe o vento soprar

deixe o barco correr
e depois navegar

não nasci pra sofrer
nem gosto de apanhar
seu corpo me faz falta
pare de me castigar

não me fiz entender
nem me cabe explicar
tendo samba na pauta
e alguém para amar

O CAVANHAQUE

O cavanhaque está na cara do sujeito
é a imagem e semelhança do respeito
o cavanhaque deixa o rosto diferente
e já não lembra como era antigamente

o cavanhaque é o retrato do desleixo
é a vaidade do nariz até o queixo
o cavanhaque não vai parar de crescer
agora é tarde para se arrepender

Refrão
bem apanhado
lá vem o homem-macaco
bem aparado
lá vai o bicho-da-seda

o cavanhaque está na foto do jornal
é a primitiva mata-atlântica tropical
o cavanhaque já é coisa de cinema
quando roça no pescoço da morena

o cavanhaque no rosto do bon-vivant
é uma festa sob um cobertor de lã
o cavanhaque é o mais novo desafio
faz-se a barba e o bigode por um fio

Refrão
bem apanhado
lá vem o homem-macaco
bem aparado
lá vai o bicho-da-seda

homens de fraque
postiços feito o Mandrake
deuses de araque
deuses de araque

PENTELINO BOM MENINO

Pentelino, Pentelino
Pentelino bom menino
cuida bem dos animais
até mesmo do suíno

Pentelino, Pentelino
Pentelino bom rapaz
deu travesseiro pra morta
e ela descansa em paz

Pentelino, Pentelino
Pentelino bom partido
vai casar com a galinha
pra comer ovo cozido

Pentelino, Pentelino
Pentelino bom de briga
apanha como cachorro
e corre feito rapariga

Pentelino, Pentelino
Pentelino bom menino
cuida bem dos animais
até mesmo o babuíno

Pentelino, Pentelino
Pentelino bom demais
faz churrasco de felino
para o Rei dos animais

Pentelino, Pentelino
Pentelino bom de boca
pra comer e pra reclamar
que a comida era pouca

Pentelino, Pentelino
Pentelino bom garoto
escapou do xilindró
e fugiu pelo esgoto

SACRO SAMBA

Refrão
O meu samba não garoa
o meu samba é chuva boa
aguardente pra semente
o meu samba não garoa
o meu samba é chuva boa
água-benta da tormenta

eu quero sair de fininho
com a viola no saco
aparece um cavaquinho
é festa no meu barraco

eu quero na voz afinada
sem dar preferência
a prece da boa batucada
a ginga por excelência

Refrão
o meu samba não garoa
o meu samba é chuva boa
aguardente pra semente
o meu samba não garoa
o meu samba é chuva boa
água-benta da tormenta

não sou galo do terreiro
porém pago pra ver
quem segura o pandeiro
e vai até o amanhecer

não sou de engolir sapo
e nem abro exceção
com a melodia do trapo
alinhavo nova canção

Repete - Refrão

pela morena que eu amo tanto
por estar só aos seus encantos
pelo canto em noite de pranto
por este samba ao sacrossanto

ORAÇÃO CONDICIONAL

Louvado seja
se a chuva que goteja
ainda beija o chão

louvado seja
se lábios de cereja
procuram confusão

louvado seja
se a corda que arpeja
corteja o violão

louvado seja
se os sinos da igreja
dobram uma canção

louvado seja
se a mão que apedreja
receber punição

louvado seja
se a alma que boceja
desperta o coração

louvado seja
se sobrar na bandeja
pão, circo e diversão

louvado seja
se não faltar cerveja
e arroz com feijão

Refrão
Recicle o descartável/ recuse imitações
logrado seja
adote o miserável/ oculte intenções
logrado seja
dê vida ao rebanho/ comida aos leões

logrado seja com seus botões
mas livrai-nos do mal e das boas intenções
logrado seja com seus botões
mas livrai-nos do mal e das boas intenções

FEITO A MÃO

Hoje a mão brotou a rosa
banhada em ouro e prata
a estrela-serenata
que o universo acolheu

mas não teceu a prosa
bordada em luz e sombra
exorciza e assombra
que a magia se perdeu

hoje a mão cobriu o canto
vestindo louvor e graça
o soberano comparsa
que a melodia escolheu

mas não calou o pranto
nutrindo dor e ausência
solidão-efervescência
que o tempo percebeu

Refrão
Então
fica tudo como está
cada coisa em seu lugar
olerê, olará

Hoje a mão deu a poesia
jurando amor e liberdade
à lírica majestade
que a inspiração recebeu

mas não parou a folia
juntando sorte e acaso
flores no mesmo vaso
que o destino ofereceu

Refrão
Então
fica tudo como está
cada coisa em seu lugar
olerê, olará